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André Dias: Zagueiro Tricampeão do São Paulo Desabafa Sobre Reconhecimento e Bastidores Históricos
Por Redação 1Soberano em 11/08/2025 11:21
Na residência espaçosa de um dos pilares da era do tricampeonato brasileiro do São Paulo, conquistado consecutivamente em 2006, 2007 e 2008, não se encontra uma única camisa do clube paulista exposta nas paredes. As lembranças materiais de André Dias, como uniformes de jogo, foram destinadas a amigos ou leiloadas para fins beneficentes. Contudo, sua marcante passagem pelo Morumbi, encerrada há uma década e meia, permanece vívida através de medalhas, distinções individuais e uma infinidade de relatos.
Aos 46 anos, o ex-zagueiro, com passagens notáveis por Goiás, São Paulo e Lazio, recebeu a equipe de reportagem em sua sala, localizada em Curitiba. Durante a conversa, expressou um certo desapontamento com a forma como seu nome é lembrado, ou a falta dela, na rica tapeçaria histórica do Tricolor. Ele argumenta que há uma notável disparidade na valorização dos títulos.
? Eu sinto que tanto o clube quanto o torcedor dão mais valor aos títulos da Libertadores do que ao Brasileiro. E o São Paulo estava há um tempão sem ganhar até 2006 (desde 1991). Fala pra mim qual foi a vez que o São Paulo disse: "Pô, vamos fazer uma festa do tricampeonato brasileiro"?
O Reconhecimento Esquecido do Zagueiro
O ex-atleta pondera sobre sua gratidão, mas também sobre a percepção de um reconhecimento insuficiente por parte da instituição. Para André Dias, a conexão mais profunda se deu com a torcida, e não com a cúpula diretiva.
? Lógico que sou grato ao clube por tudo, a grande maioria das coisas que eu tenho é graças ao São Paulo, mas a minha gratidão maior é pelo torcedor, não pela diretoria, porque os caras não têm reconhecimento nenhum. Não precisam me ligar todo dia e agradecer. Mas podiam ao menos valorizar o feito que a gente fez. Ganhamos três vezes o Brasileirão em seguida e até hoje ninguém teve uma defesa menos vazada que a de 2007. E olha quanto tempo já passou. E os caras lembram? Ok, o Miranda teve uma carreira muito mais vitoriosa, falam do Pirulito (Alex Silva), mas eu sou muito pouco citado. E sempre foi assim ? desabafou o ex-zagueiro nascido no ABC Paulista.
Após um desempenho notável pelo Goiás em 2005, André Dias foi contratado pelo São Paulo em 2006, onde conquistou os três títulos nacionais consecutivos. Em 2010, sua trajetória o levou à Lazio, na Itália. Curiosamente, durante seus quatro anos em Roma, ele residiu em um apartamento que pertencia a Hernán Crespo, o então atacante e hoje técnico do Tricolor paulista.
? Eu estava procurando casa em Roma, e aí o Lionel Scaloni, hoje técnico da seleção argentina e que jogava comigo, me falou que o Hernán Crespo tinha uma casa para alugar. Fui dar uma olhada, gostei e fiquei na casa do Crespo por uns dois anos e meio. Era bem bonita, a casa era boa. A gente conversou algumas vezes, mas só por telefone quando tinha de resolver alguma coisa ? contou.
Aposentadoria e Escolhas Pessoais
A decisão de André Dias de parar de jogar em 2014, aos 35 anos, foi influenciada por uma série de fatores, incluindo uma transição em sua equipe de representação e questões familiares. Ele estava saindo da Lazio como titular, ainda em alta performance, quando seu empresário, Gilmar Rinaldi, assumiu a diretoria da CBF, interrompendo as negociações. Com o tempo, a inatividade o levou à aposentadoria.
Propostas para retornar aos gramados surgiram, inclusive de clubes como Sampdoria e Sassuolo, na Itália. No Brasil, o Corinthians também demonstrou interesse. Edu Gaspar e Mano Menezes o contataram, mas André Dias já estava em Curitiba há seis meses e enfrentava problemas nos joelhos. Ele optou por não aceitar para não prejudicar o clube:
"Eu tenho um problema nos dois joelhos".E completou:
"Edu, estou parado há seis meses. Eu preciso, no mínimo, de uns dois meses e meio para voltar bem".
Houve também uma oferta do Coritiba, cujo CT ficava ao lado de sua casa. O clube, porém, exigiu uma avaliação física prévia para a assinatura do contrato, o que não agradou ao zagueiro, que propôs um "contrato de risco". A negociação não avançou. André Dias admitiu arrependimento, em parte, por sua natureza reservada e a pouca exposição nas redes sociais, o que fez com que muitos não soubessem de seu retorno ao Brasil. A principal razão para a aposentadoria, no entanto, foi a adaptação de seus filhos ao Brasil após anos na Itália, onde foram alfabetizados em inglês e italiano. Sua esposa não queria mais tirá-los da escola, e ele decidiu priorizar a família.
A Chegada ao Morumbi e a Figura de Muricy
Apesar de sua identificação com o São Paulo , André Dias não acredita que jogar pelo Corinthians tiraria o carinho da torcida tricolor, citando o exemplo de Danilo, ídolo em ambos os clubes. Em sua volta ao Brasil, o São Paulo , sob uma diretoria diferente (Carlos Miguel Aidar), não o procurou. Ele fez uma visita ao clube em 2014, mas não houve conversas sobre um possível retorno. Para ele, o São Paulo foi o clube de sua vida, um "presente de Deus".
Sua chegada ao Tricolor em 2006 foi peculiar. Após uma excelente temporada no Goiás em 2005, que terminou em terceiro lugar no Brasileiro e classificou o time para a Libertadores, André Dias participou de um Jogo das Estrelas no Morumbi, um confronto entre o campeão brasileiro (Corinthians) e uma seleção do campeonato. Muricy Ramalho, que seria seu futuro técnico, comandou a seleção, e ali se deu o primeiro contato. Embora não tivesse intenção de sair do Goiás, um acordo verbal de venda em 2006 não foi cumprido pelo presidente do clube goiano. Ele entrou na Justiça por atraso no FGTS, obtendo uma liminar favorável.
? Eles já sabiam de tudo. Eu consegui a liminar sei lá, na segunda-feira, aí na terça os caras de São Paulo já me ligam: "Pô, André, aqui quem está falando é o Milton Cruz. Fiquei sabendo que você entrou na Justiça contra o Goiás e que você ganhou a liminar, quer vir para o São Paulo?" Aí passou o telefone para o Muricy. Coisa de dois dias. Peguei minhas coisas e fui.
A liminar, contudo, foi caçada, e André Dias ficou seis meses sem poder jogar, apenas treinando. Era um período de grande angústia:
"Eu ia para os jogos, às vezes aquecia com os caras, ficava esperando uma liminar favorável, mas chegava na hora e os caras falavam: "Pô, André, não saiu". Aí eu ia para a arquibancada para assistir o jogo. Aconteceu várias vezes, até jogo na Libertadores era assim. Viajava com os caras, aquecia, não saiu o liminar, tira o André."O São Paulo, então, fez um acordo com o Goiás, pagando cerca de R$ 1 milhão para sua liberação definitiva.
O Vestiário Tricolor: Liderança e Conflitos
Sobre Muricy Ramalho, André Dias o descreve como um técnico "humano demais", embora essa percepção só tenha se consolidado após a aposentadoria do treinador. Naquela época, a figura de autoridade de Muricy impedia uma relação mais próxima. Ele era sisudo, fechado, e conversava pouco. No entanto, sua humanidade se manifestava ao "bancar" jogadores como Hernanes e Aloísio Chulapa em momentos difíceis, que depois deram a volta por cima. Muricy sempre pregava:
"Comigo joga quem estiver melhor".O elenco era forte, e a competitividade interna era alta. André Dias, por exemplo, perdeu a titularidade para Breno após uma lesão e só a recuperou algumas partidas depois.
A principal característica do trabalho de Muricy era a liderança e a capacidade de blindar o grupo. Os treinos eram sempre sérios e exigentes, mesmo que repetitivos.
"Mas cara, não tinha uma vez que ele não tirava o máximo da gente."A distância proposital de Muricy em relação aos jogadores, como André Dias compreendeu depois, era para manter a autoridade e evitar que a liberdade gerasse confusão. Ele citou uma experiência com Ivo Wortmann no Paysandu, onde uma brincadeira sua foi mal interpretada devido à intimidade excessiva.
Apesar de sua postura reservada, André Dias sente que merecia mais reconhecimento no São Paulo . Ele lamenta não ter tido um assessor de imprensa particular, como outros colegas, para divulgar seu trabalho. O reconhecimento veio de Marco Aurélio Cunha, que no filme "Soberano" destaca sua importância no título de 2008, seu melhor ano. André Dias conquistou todos os prêmios individuais possíveis, exceto a Bola de Ouro da Revista Placar, que, segundo ele, foi "passada a mão" por Rogério Ceni no último jogo, apesar de sua liderança na pontuação.
A relação com Rogério Ceni sempre foi boa. O goleiro, descrito como acessível e um exemplo de dedicação, ajudou muito André Dias. Ceni era um atleta que gostava de treinar duro e exigia o mesmo dos companheiros.
"Se você começa a dar migué, esquece, você perdeu o Rogério. Ele era vencedor, queria título e precisava de você."Uma vez, mesmo lesionado na panturrilha, Ceni treinava ajoelhado, um exemplo de superação. Além disso, Rogério Ceni vivia o São Paulo intensamente, atento às finanças e aos bastidores, e até estudava espanhol para a Libertadores.
Craques, Lendas e o Campo de Batalha
Sobre jogar com Adriano Imperador, André Dias o considera um dos melhores atacantes com quem atuou, disparado o melhor no Brasil, comparando-o a Klose na Lazio pela finalização precisa.
"Com Adriano, você sabia que você podia jogar a bola nele que a qualquer momento ele ia decidir. Isso trazia muita confiança. Adriano era gigante."
O CT da Barra Funda também foi palco de tensões. André Dias recorda uma briga entre Carlos Alberto e Fábio Santos em 2008. Carlos Alberto chegou atrasado e embriagado a um treino, o que levou Muricy a exigir a concentração de todo o elenco a partir daquela noite. Fábio Santos, que tinha a festa de aniversário do filho no dia seguinte, tentou argumentar com Muricy, mas não foi liberado. Fábio Santos, então, chegou à concentração alterado e confrontou Carlos Alberto.
"Cara, o Adriano não conseguiu segurar o Fábio (risos). Era o Adriano Imperador separando, pra você ter uma ideia (risos)."Fábio Santos, enfurecido, chegou a derrubar o portão do CT e foi embora, sendo posteriormente suspenso. Muitos incidentes como esse, segundo André Dias, não chegavam à mídia.
Enfrentar Ronaldo, o "Fenômeno", em clássicos São Paulo x Corinthians, foi uma experiência única. André Dias o considera o melhor de todos. Em um lance, ele tentou interceptar Ronaldo, mas foi facilmente superado.
"Cara, ele passou por cima como se eu fosse uma criança. A arrancada era muito forte, e ele devia estar uns 8kg acima. Ou mais. Estou sendo bem gente boa."Ele também relembra um recuo errado para Bosco que resultou em gol de Ronaldo, assumindo a culpa, mas reconhecendo a genialidade do atacante em tirar suas opções.
Por fim, André Dias discute o esquema 3-5-2, que o São Paulo voltou a usar. Para ele, o sucesso da formação não depende apenas dos zagueiros, mas de toda a equipe. Ele ressalta que o líbero precisa ser técnico e ter percepção aguçada do jogo. No São Paulo tricampeão, ele, Miranda e Alex Silva formavam uma defesa com dois jogadores rápidos e um (ele próprio) mais técnico.
"O São Paulo teve o Lucas Beraldo que, como líbero, era uma piada. Não acho que no um pra um ele seja tão bom, mas como líbero, tecnicamente, foi um dos melhores que teve. Mas tudo tem que funcionar desde lá da frente."
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