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São Paulo 2005: Como um Encontro no Motel Contratou Estrela do Tri da Libertadores

Por Redação 1Soberano em 15/07/2025 04:20

Narrar a trajetória de um feito histórico, especialmente um que transcende duas décadas, é um desafio que exige mais do que a mera repetição de fatos. É preciso desvendar camadas, buscar ângulos inexplorados e trazer à luz os detalhes que, por vezes, se perdem no tempo. Ao celebrar os vinte anos do tricampeonato da Conmebol Libertadores, conquistado pelo São Paulo em julho de 2005, mergulhamos nos bastidores para compreender a engenharia por trás daquele elenco vitorioso, revelando curiosidades singulares, como a negociação de um atleta-chave em um motel.

A saga que culminou na terceira taça continental do Tricolor Paulista é rica em nuances, desde superações individuais até decisões administrativas que redefiniram o destino do clube. O ano de 2005 marcou não apenas uma conquista esportiva, mas a consolidação de um projeto que soube unir experiência e juventude, talento e resiliência, sob circunstâncias nem sempre convencionais.

Os gols do São Paulo na final da Libertadores de 2005, contra o Atlético Paranaense

O Encontro Inusitado: A Contratação de Luizão no Motel

Um dos pilares daquele tricampeonato, o atacante Luizão, teve sua chegada ao Morumbi permeada por incertezas, provações físicas e uma peculiaridade digna de nota. Aos 33 anos, com um currículo recheado de títulos, incluindo a Copa do Mundo de 2002, e passagens por grandes clubes brasileiros e europeus, Luizão enfrentava dúvidas sobre seu futuro devido a lesões. Em um momento crucial, optou por um novo desafio, recusando propostas de Corinthians e Fluminense.

Sua decisão de buscar novos horizontes, longe de antigos palcos onde já havia deixado sua marca, encontrou eco nas palavras de Marco Aurélio Cunha, dirigente do Tricolor à época: "É difícil escrever a mesma história no mesmo lugar", como recorda o próprio Luizão . Após uma temporada de bons números pelo Botafogo, mas com o peso de problemas físicos, o atacante se recuperava de uma cirurgia no pé e tratava uma lesão no joelho no centro de treinamento do São Paulo , enquanto avaliava suas opções no mercado.

? O Marco Aurélio Cunha me falou: ?É difícil escrever a mesma história no mesmo lugar? ? lembra Luizão , citando o dirigente do Tricolor à época.

Naquele período, o São Paulo vivia um misto de ambição e apreensão. A dolorosa eliminação na semifinal da Libertadores de 2004, com um gol sofrido nos acréscimos contra o Once Caldas, na Colômbia, ainda ecoava. Determinado a montar um elenco robusto para a disputa de 2005, o clube buscou jogadores experientes, capazes de adicionar qualidade e vivência ao grupo. Luizão , mesmo com o histórico de lesões, era visto como uma peça fundamental nesse quebra-cabeça.

As conversas avançaram, e o atacante se viu atraído pelo projeto de ajudar o São Paulo a conquistar um feito inédito para clubes brasileiros na época: o tricampeonato da Libertadores. Em uma tarde, entre sessões de tratamento no CT da Barra Funda, a diretoria tricolor decidiu que era o momento de selar o acordo. A concorrência era forte, e o tempo era um fator crítico.

Os gols do São Paulo contra o River Plate, na Argentina, pela Libertadores de 2005

A ligação surpreendente para Luizão veio de um dirigente tricolor, propondo uma reunião imediata. O local? Uma sala utilizada como restaurante em um motel a poucos metros do CT. Embora relutante devido à inusitada escolha para discutir negócios, Luizão cedeu. O motel Overnight, na Barra Funda, pertencia a Paulinho do Ouro, conselheiro e torcedor do Corinthians, mas amigo próximo de Milton Cruz, auxiliar técnico do São Paulo , e de diversos atletas, incluindo o próprio Luizão .

? Eu estava almoçando no motel, não estava com mulher lá, não (risos). Era do nosso amigo Paulinho do Ouro. Eles queiram me convencer ? contou, aos risos, o ex-atacante.

Paulinho do Ouro providenciou uma sala para a cúpula tricolor, que interrompeu o almoço de Luizão , determinada a formalizar o acerto. Ali, naquele ambiente atípico para negociações futebolísticas, foram definidos os termos de uma breve, porém marcante, passagem do atacante pelo clube. "Não foi nada escondido. De vez em quando, sempre uns amigos iam almoçar lá. Eu tinha uma sala de almoço, onde eu recebia os amigos. Então, marcamos e depois fomos para a sala de reunião. Aí acertamos alguns detalhes ali", relembrou Paulinho .

Apesar do acerto inicial, uma pendência crucial se apresentava: a resistência de Emerson Leão, então técnico do São Paulo , à contratação de Luizão . No Campeonato Paulista, o atacante participou de apenas dez jogos, sete deles vindo do banco de reservas. Contudo, a saída inesperada de Leão após a conquista do estadual, alegando uma "dívida de gratidão a pagar no Japão", abriu caminho para Paulo Autuori e, consequentemente, para a plena integração de Luizão ao elenco . Essa transição foi vital, transformando o atacante em peça fundamental, inclusive marcando um dos gols na goleada de 4 a 0 sobre o Athletico na final da Libertadores.

Os gols do São Paulo contra o River Plate, no Morumbi, pela Libertadores de 2005

Luizão resumiu sua experiência: "Joguei seis meses, mas parece que foram cinco anos. Cheguei com uma desconfiança muito grande. Graças ao departamento médico, todos foram muito importantes para mim. Não vou nem falar nomes, mas todos foram muito importantes. Foi uma coisa maravilhosa. Eu dei a volta por cima. Todo mundo achava que eu já tinha acabado."

A Visão Estratégica: Milton Cruz e o Mapeamento de Talentos

A formação daquele elenco histórico não se limitou à contratação de Luizão . Ela foi parte de um projeto contínuo de aprimoramento de uma equipe que já havia chegado perto da glória em 2004. Milton Cruz, com seu olhar apurado e conhecimento profundo do futebol, desempenhou um papel crucial nos bastidores, transformando suas observações em um planejamento estratégico.

Em um quadro no CT da Barra Funda, Milton Cruz esboçava o futuro do São Paulo , mapeando jogadores que poderiam reforçar o Tricolor. Era uma prática comum na época: anualmente, o clube reunia nomes de atletas que estariam livres no mercado ou com facilidade para se desvincular de seus clubes, além de jovens promessas. Essa metodologia foi fundamental para o fortalecimento do elenco que conquistaria a Libertadores.

Entre 2003 e meados de 2004, as listas de possíveis reforços elaboradas por Milton Cruz e entregues a Juvenal Juvêncio, então diretor de futebol com amplos poderes, começaram a se materializar. Nomes que talvez não fossem amplamente conhecidos na época se tornariam heróis do tricampeonato.

Os gols do São Paulo contra o Tigres, no Morumbi, pela Libertadores de 2005

Cicinho, Fabão, Junior, Mineiro, Josué, Danilo e Grafite foram alguns dos atletas que passaram pelo "quadro" de Milton Cruz, integraram as listas de Juvenal Juvêncio e se tornaram peças-chave nas conquistas da Libertadores e, posteriormente, do Mundial. O trabalho de montagem do elenco foi meticuloso e, por vezes, audacioso.

Um exemplo notável foi a contratação do lateral-esquerdo Junior. Em 2004, precisando de um jogador para a posição, o São Paulo decidiu buscar o pentacampeão mundial, que estava no Parma, da Itália, com o futuro incerto. O clube italiano enfrentava problemas financeiros e não tinha condições de manter Junior, que havia retornado de empréstimo do Siena e não fora sequer inscrito na Série A, mesmo com quase um ano de contrato. A rescisão era o caminho mais viável para que ele voltasse a atuar.

Em uma época de pouca tecnologia e predomínio de telefones fixos, um aparelho tocou em uma casa em Parma às 2 horas da manhã. "Boa noite! Quem fala?", disse um dirigente tricolor, sem se atentar ao fuso horário que já marcava a madrugada na Itália. A esposa do lateral informou que Junior dormia e só poderia atender pela manhã. A negociação, apesar do inusitado contato, teve um desfecho positivo, e o jogador reforçou o São Paulo a tempo de contribuir para a vaga na Libertadores do ano seguinte.

Os gols do São Paulo no segundo jogo contra o Palmeiras, pela Libertadores de 2005

Forjando o Núcleo: A Conexão Goiás e Acertos Estratégicos

Outro capítulo relevante na construção do elenco campeão de 2005 foi a chegada de um grupo de jogadores provenientes do Goiás. Fabão, Grafite e Danilo foram os primeiros a serem contratados em 2004, ainda com o aval do técnico Cuca, que havia trabalhado com o trio em Goiânia e apostou em seu potencial para a Libertadores. No ano do tricampeonato, Josué se juntou aos ex-companheiros, e ele, assim como Danilo , só havia atuado no Goiás antes de chegar ao São Paulo . Mesmo sem experiência em outros grandes clubes, eles rapidamente assumiram papéis de destaque sob o comando de Cuca, Leão e, posteriormente, Paulo Autuori.

A aposta do São Paulo no entrosamento dos ex-companheiros de Goiás foi uma estratégia consciente para formar a espinha dorsal do time de 2005. Anos mais tarde, Juvenal Juvêncio confirmaria essa tática: "Sem dúvida, a nossa ideia é essa (copiar o modelo de 2004). Isso facilita a montagem do time, porque são jogadores que já atuam juntos faz algum tempo", disse o dirigente, revelando a inspiração para a montagem da equipe campeã.

Mais próximo do Morumbi, Mineiro, embora sem uma trajetória expressiva em grandes clubes, mas com boas passagens por Ponte Preta e São Caetano, emergiu do relativo anonimato para se tornar um ídolo tricolor em uma única temporada. Sua parceria no meio-campo com Josué é lembrada como uma das mais eficazes da história do clube.

Essa formação de elenco , baseada em métodos que hoje parecem superados pela tecnologia de scouts e o volume de dinheiro no futebol, foi a base do que muitos consideram um dos melhores times pelos quais esses atletas passaram. Luizão , com sua vasta experiência, corrobora: "Eu nunca vivi um ambiente igual aquele. Eu participei de vários ambientes, mas nunca vivi um ambiente igual aquele, fantástico, maravilhoso. Um grupo unido. Todo mundo..."

Os Obstáculos e o Tri: Lesões, Mudanças e o Legado

O percurso até o tricampeonato não foi isento de desafios. Grafite , por exemplo, esteve perto de vestir a camisa de um rival. "E o São Paulo , está na pauta ainda?", perguntou o atacante aos seus empresários no final de 2003, após uma frustrada negociação com o Santos, clube pelo qual seu pai, santista, sonhava em vê-lo jogar. "Meus empresários foram para Santos para negociar, mas os dirigentes não apareceram. Aí voltaram, subiram a serra e conversaram com o São Paulo . Meu pai sempre foi santista e eu queria realizar o sonho dele de me ver jogando no Santos. Mas acabou não dando certo", recorda o hoje comentarista.

Felizmente para o São Paulo , Grafite acabou no Morumbi, onde viveu momentos especiais. Contudo, 2005 não foi apenas de glórias para ele. Apesar de marcar quatro gols e desempenhar um papel importante, uma grave lesão deixou marcas profundas. Uma dividida com Marcinho Guerreiro no jogo de ida das oitavas de final da Libertadores, contra o Palmeiras, no antigo Parque Antártica, custou-lhe praticamente o restante da competição. O atacante rompeu um ligamento do joelho direito, mas, heroicamente, ainda disputou a partida de volta contra o rival e o duelo de ida contra o Tigres, do México.

? O tri é muito especial. Tem alguns jogos marcantes, pelo lado negativo e positivo. Negativo foi a lesão contra o Palmeiras, no primeiro jogo. Após a lesão eu ainda jogo dois jogos, o da volta contra o Palmeiras e o primeiro das quartas contra o Tigres, do México, quando eu faço uma boa partida, mas já estava com o ligamento rompido, havia sido convocado para a Seleção. Eu não fiz gol, mas fiz as jogadas do segundo, terceiro e sofri a falta do quarto gol, se não me engano, que o Rogério bate ? conta Grafite .

De muletas, Grafite esteve em campo na final contra o Athletico apenas para celebrar, acompanhando a goleada das arquibancadas, sem poder contribuir como desejava.

A Arquitetura do Sucesso: Como o São Paulo Forjou o Time Campeão

Entre ligações noturnas, reuniões em motéis e uma minuciosa busca por reforços, o São Paulo construiu o elenco que se sagraria campeão da Libertadores em 2005. A equipe que entrou em campo em 14 de julho daquele ano contava com Rogério Ceni; Fabão, Diego Lugano e Alex Bruno; Cicinho , Mineiro, Josué, Danilo e Junior; Amoroso e Luizão . Fabio Santos, Diego Tardelli e Souza entraram no segundo tempo.

O comando técnico coube a Paulo Autuori, cuja chegada foi quase uma obra do acaso, impulsionada pela repentina saída de Emerson Leão. Uma viagem de Milton Cruz ao Peru, para assistir a uma partida do Sporting Cristal na Libertadores de 2004, foi decisiva para a vinda do treinador campeão de 2005. O São Paulo estrearia na Libertadores de 2004 contra o Alianza Lima, no Peru. Um dia antes, o Sporting Cristal enfrentava o Coritiba na mesma capital peruana. Milton Cruz, em sua função de mapear reforços, aproveitou a coincidência para observar alguns jogadores, entre eles o jovem Miranda, zagueiro do Coritiba.

A ida de Miranda para o Tricolor só se concretizaria anos depois, mas, durante a partida do Sporting Cristal, Milton Cruz assistiu ao jogo ao lado de um personagem central da conquista do tri no ano seguinte: Paulo Autuori. Então técnico da seleção do Peru, Autuori convidou o auxiliar são-paulino para um camarote e, em seguida, para um jantar. Durante a conversa, Autuori expressou o desejo de retornar ao Brasil, após três anos de trabalhos no exterior, incluindo passagens pelo Sporting Cristal, Alianza Lima e a seleção peruana.

Conhecido de Milton Cruz por seus trabalhos anteriores no Brasil, Paulo Autuori perguntou se poderia enviar seu currículo ao auxiliar técnico do São Paulo . A resposta foi afirmativa, mas, à época, Cuca comandava o Tricolor, e não havia planos para sua demissão. O "sim" foi mais uma formalidade, um gesto de respeito à trajetória de Autuori. Milton Cruz entregou o currículo a Juvenal Juvêncio. O envelope, timbrado com a marca do hotel onde o São Paulo estava hospedado em Lima , foi parar na agenda do então diretor, onde permaneceu esquecido por meses.

No entanto, o currículo foi lembrado em um momento crucial para o tricampeonato, quando Leão se despediu do São Paulo após o título paulista. Juvenal, então, questionou Milton Cruz: "E aquele técnico de quem você pegou o currículo?". Milton Cruz recordou que o currículo estava na agenda do diretor, que pediu para o auxiliar buscá-lo em seu carro. Dali, daquele amontoado de informações e rascunhos, muitos esquecidos com o tempo, emergiu o treinador que seria campeão da Libertadores pelo São Paulo em 2005.

Performance da Equipe na Libertadores 2005

Estatística Valor
Jogos disputados 14
Vitórias 9
Empates 4
Derrotas 1
Gols marcados 34
Gols sofridos 14
Saldo de gols +20

Assim, estava formado o elenco que, em 14 jogos, com nove vitórias, quatro empates e apenas uma derrota, marcou 34 gols e sofreu 14, erguendo pela terceira vez o troféu mais cobiçado do continente, há exatos 20 anos. A campanha de 2005 contou com 25 jogadores: Rogério Ceni, Cicinho , Fabão, Edcarlos, Lugano, Junior, Mineiro, Josué, Grafite , Amoroso, Danilo , Luizão , Roger, Falcão, Roger (goleiro), Flávio Donizete, Alê, Fábio Santos, Renan, Daniel Rossi, Diego Tardelli, Marcos Antônio, Souza, Flávio Kretzer, Jean Carlos, Michel, Vélber e Alex.

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Comentado em 15/07/2025 08:40 O tricolor sempre sabendo encontrar reforços com pegada, até no motel fecharam negócio, olha isso!
Cláudio

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Comentado em 15/07/2025 06:30 Luizão foi contratado até no motel, mano! Slk, isso é São Paulo demais, só aqui mesmo kkkk!
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