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Escândalo Mounjaro e Demissões: O Que Acontece no DM do São Paulo?
Por Redação 1Soberano em 12/12/2025 08:12
O São Paulo Futebol Clube, outrora um expoente em cuidados médicos e recuperação de atletas, testemunhou em 2025 uma cifra alarmante: mais de setenta ausências de jogadores por questões físicas. Este cenário, longe de ser um evento isolado, representa o ápice de uma série de reformulações e tensões que têm marcado o setor de saúde do clube por anos.
A promessa de renovação do departamento médico e do Reffis, um centro que já foi sinônimo de excelência nacional, remonta ao início da gestão de Julio Casares em 2021. Naquele ano, foi instaurado um "conselho de notáveis", que incluía figuras como o fisiologista Turíbio Leite de Barros e o ídolo Kaká, com o objetivo de modernizar a infraestrutura e os equipamentos.
Contudo, a dinâmica interna logo se alterou. A criação da Divisão de Excelência Médica (DEM), uma comissão influenciada por conselheiros e diretores do clube, como Márcio Carlomagno e Roberto Armelin, acabou por subordinar o conselho original. Essa reorganização gerou atritos que culminaram, em julho de 2022, na renúncia coletiva dos nove membros do conselho, um evento significativo que o clube optou por não tornar público.
A Desconstrução de um Modelo: A Trajetória Recente do DM Tricolor
Mesmo sem o conselho de notáveis, o São Paulo prosseguiu com a atualização de sua estrutura, inaugurando o que foi denominado Reffis plus. No entanto, o ambiente no setor médico permaneceu instável. Demissões de profissionais de renome, como o fisioterapeuta Ricardo Sasaki em 2022 e o médico Tadeu Moreno em 2023, além do afastamento do histórico médico José Sanchez no mesmo ano, sinalizavam a persistência das dificuldades.
Uma parceria científica com a Universidade de São Paulo (USP), anunciada com grande expectativa em 2023 para desenvolver novos protocolos em preparação física e reabilitação, não se concretizou como esperado. Fontes internas revelaram que a colaboração se limitou a poucas visitas de pesquisadores ao Centro de Treinamento.
O superintendente Márcio Carlomagno comentou sobre a evolução das parcerias:
Tivemos o início de trabalho, mas entendemos, após avaliação do DEM, que deveríamos traçar outros caminhos. Atualmente temos parceria com a Escola Paulista de Medicina, o convênio específico para cobertura de atendimentos no Einstein e estamos fechando outras parcerias.
Reformas e Rupturas: A Busca por Novos Caminhos
É nesse pano de fundo de instabilidade que se insere o cenário de 2025, com o número sem precedentes de desfalques. Um dos pontos mais polêmicos nos bastidores da saúde do clube foi a introdução das chamadas "canetas emagrecedoras", especificamente o medicamento Mounjaro, à base de tirzepatida.
Originalmente desenvolvido para o tratamento de diabetes tipo 2 e obesidade, a prescrição do Mounjaro a jogadores se tornou um divisor de águas, evidenciando as divisões e a suscetibilidade do departamento médico às influências políticas internas do clube, conforme relatos de diversas fontes.
A recomendação desse fármaco partiu do nutrólogo Eduardo Rauen, e ocorreu sem o conhecimento de muitos dos outros profissionais de saúde do São Paulo . Além disso, Rauen indicava um fornecedor específico que entregava o medicamento com embalagem, rótulo e bula em inglês, indicando que o produto não havia sido adquirido em solo brasileiro.
O Medicamento Controverso e a Divisão Interna
Questionado sobre o assunto, Rauen defendeu a conduta e detalhou a prescrição, que, segundo ele, foi feita a dois atletas.
Conforme descrito na bula, pacientes com IMC acima de 27,5 associados a comorbidades ? no caso específico, lesões articulares ? têm indicação formal para o uso do medicamento, sempre com acompanhamento médico. Os dados mostram que os atletas conseguiram perder peso corporal, diminuir o percentual de gordura e melhorar a massa muscular.
Ele complementou, enfatizando a legalidade e a segurança do procedimento:
Trata-se de um procedimento médico legítimo, seguro, respaldado pela literatura e executado dentro das normas éticas e regulamentares. O paciente, em conjunto com seu médico, pode optar por comprar o produto diretamente em farmácias brasileiras ou realizar importação regular, permitida pela Anvisa mediante prescrição. O que importa ? e sempre orientamos ? é que o medicamento seja autêntico.
Apesar da defesa, o uso do Mounjaro em atletas de alto rendimento é visto com ressalvas por especialistas. Embora atue na redução do apetite e controle glicêmico, podendo acelerar a perda de peso, há preocupações sobre potenciais efeitos como a diminuição de massa magra, desregulação energética e impacto negativo no desempenho esportivo. Atletas que o utilizaram relataram sensações de enjoo e fraqueza.
A Justificativa Médica e os Pontos de Discordância
A chegada de Eduardo Rauen ao elenco profissional gerou desconforto e dividiu opiniões entre os integrantes do clube. Duas fontes internas afirmam que ele nunca foi formalmente apresentado ao restante da equipe, não participava das reuniões do departamento médico e comparecia ao CT da Barra Funda apenas uma vez por semana.
Rauen, por sua vez, contesta essas afirmações:
Fui apresentado oficialmente à Barra Funda em junho, inclusive com registros nos meios oficiais do clube. Não cheguei como um profissional isolado, mas trazendo médico do esporte, nutrólogo, nutricionista, educador físico e fisiologista. Eu e a minha equipe não viemos como funcionários, mas sim como um complemento técnico.
Sua atuação se concentrava na esfera metabólica dos jogadores, abrangendo nutrição, composição corporal e suplementação. Foi nesse ambiente de integração precária que o nutrólogo prescreveu o Mounjaro a atletas, sem que o departamento médico fixo do clube tivesse conhecimento ou envolvimento direto na decisão.
O Protagonismo de Rauen e a Falha na Sinergia
O departamento médico mais antigo do clube via o trabalho de Rauen com reservas e estabelecia uma conexão entre sua metodologia e o aumento de lesões. Rauen, contudo, refuta essa ligação:
Não concordo com a premissa de que a nossa abordagem deva ser estudada como possível causa das lesões. Entrei no clube durante a última temporada, e os problemas relacionados às lesões já vinham ocorrendo muito antes. Não existe relação lógica ou temporal que conecte o trabalho do TECFUT ao quadro de lesões pré-existentes.
Na perspectiva da diretoria do São Paulo , a avaliação difere. Rauen é percebido como parte da solução para os problemas do setor, e não como um fator contribuinte. A reformulação anunciada na semana passada, visando 2026, teve como alvo justamente profissionais com longo tempo de casa.
Nomes como o fisiologista Luis Fernando Leite de Barros, seu auxiliar Paulo Eduardo Teixeira, o preparador Adriano Titton, o médico Pedro Henrique Perez, e os fisioterapeutas Carlos Alberto Presinoti e Cilmara Moreira foram desligados. A cúpula tricolor considerou que as fragilidades estavam em outras áreas, como a gestão das cargas de treinamento na fisiologia e a preparação física.
Reestruturação Radical: O Fim de um Ciclo no Morumbi
A avaliação interna apontava que os atletas frequentemente se desviavam das cargas de esforço determinadas por parâmetros científicos, seja excedendo-as ou ficando aquém do ideal. Essa situação era atribuída à falta de proatividade e coragem por parte dos fisiologistas e preparadores fixos em se posicionar diante da comissão técnica para interromper ou ajustar as atividades, o que teria sido um fator preponderante para o elevado número de lesões.
Com a reformulação, o projeto é conceder maior autonomia e protagonismo a Rauen, depositando confiança em sua metodologia. Sua equipe, o TecFut, instalada no CT da Barra Funda em junho, representa um investimento mensal superior a R$ 200 mil e foi uma indicação do diretor-adjunto da base, Douglas Schwartzmann.
Além dessas mudanças, outras influências se fazem presentes no departamento. O ortopedista Lucas Leite Ribeiro já tem frequentado o CT da Barra Funda no final desta temporada, integrando um novo projeto: um ambulatório de medicina regenerativa, planejado para 2026. Este ambulatório é uma iniciativa da Divisão de Excelência Médica (DEM), uma comissão criada em 2021 com a participação de diversos conselheiros, evidenciando a complexidade da governança do setor médico.
Novas Estratégias e a Fragmentação Persistente
Apesar de ter uma metodologia clara para 2026, a diretoria reconhece a falta de coesão como um problema central. O superintendente Márcio Carlomagno ressaltou a importância da integração:
Temos feito um trabalho de avaliação e implantação de medidas de processos já há algum tempo, que começou com a renovação total de equipamentos do Reffis. No entanto, entendemos que nada disso surte efeito se não há uma integração total entre as áreas e profissionais envolvidos e é nisso que estamos focando para que em 2026 tenhamos resultados melhores.
Em meio à instabilidade interna, o clube tem buscado apoio externo com especialistas. O ortopedista Moisés Cohen, uma referência nacional, tem sido frequentemente acionado para casos complexos de reabilitação, notadamente na recuperação do atacante Lucas Moura. A participação de Cohen, embora crucial, sublinha a necessidade do clube de recorrer a soluções externas diante da fragilidade de seu próprio departamento médico, que, segundo um profissional ouvido, "tem três departamentos médicos dentro de um só".
O ano de 2025, com o número recorde de desfalques, marca um ponto crítico na história recente do São Paulo . Contudo, a análise da trajetória do departamento médico do clube revela que a desorganização e a falta de alinhamento não são fenômenos recentes, mas sim a culminação de um processo de instabilidade que se arrasta por, no mínimo, quatro anos. A busca por excelência e unidade permanece um desafio complexo e contínuo para o Tricolor.
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